top of page
Foto do escritorRafael Sales

Silhuetas na Penumbra | Semente de Âmbar

Este é a versão "demo" do novo Prólogo do livro Silhuetas na Penumbra - Semente de Âmbar. Isso quer dizer que não passou por nenhuma revisão ou preparação com os profissionais da editora, e poderá sofrer pequenos ajustes na versão final, da publicação.

SEMENTE DE ÂMBAR - PRÓLOGO


Muitas coisas foram tiradas dela, tantas que se perderam nas lembranças, menos o seu nome, Lilith, disso ela se recortava com clareza, assim como das consequências por rebelar-se diante do falso reinado do primeiro homem; Adamá. Ela, a primeira mulher, esculpida do barro sob as raízes de uma entidade muito antiga, foi a primeira a ser exilada do paraíso chamado de Ivy Marãey, a morada dos primeiros mortais. Entretanto, logo seu caminho se cruzou com uma criatura também exilada no início da Criação: Anhaú, a Sombra Primária despertada no momento que o Tempo e o Universo se firmaram, e aquele que foi derrotado pela Luz Primordial conhecido como Artífice por todos na Criação.


O que restou das memórias de Lilith lhe contava que estava grávida quando fugiu de Ivy Marãey, fora seguida pelo seu filho mais velho, e ambos foram subjugados pelo poder profano de Anhaú. Entretanto, desde o nascimento do seu último filho com Adamá, Lilith tinha apenas pequenos vislumbres de recordações, talvez pela sua mente ter sido dilacerada ou por ter se transformado em uma criatura extremamente distinta do que um dia fora. Lembrava-se com pouca nitidez da aparência monstruosa do recém-nascido; de Anhaú transmutando seu filho mais velho em serpente; das criaturas que emergiram dos pedaços arrancados da sua carne, das suas lágrimas; de outras geradas a partir do seu suor e do seu sangue e da suas entranhas. Enquanto o sofrimento de Lilith povoava o que viria ser o Reino do Caos, uma guerra acontecia nos domínios de Ivy Marãey.


Lilith não podia dizer quanto tempo se passou, tampouco quantas criaturas humanoides, com pele escamosa, chifres brotando à fronte, de unhas tão compridas e afiadas como facas e asas coriáceas havia gerado antes da divisão das dimensões e o Véu da Realidade ser tecido, separando as criaturas mortais das sobrenaturais. Sabia apenas que vivia nas ruínas de um reino profano sombreada por arquipélagos flutuantes bem acima das nuvens avermelhadas.


Lilith se sentia entorpecida enquanto o Reino do Caos expandia seus territórios, acordos eram firmados, almas mortais barganhadas. Nada daquilo a animava, nada podia. Estava presente na Criação apenas de corpo, sua consciência já não existia, porém, era justamente seu corpo que tinha alguma serventia a Anhaú, e foi o seu corpo o item oferecido ao recém-chegado no Reino do Caos: Um Celestial, um dos primeiros a ser gerado e igualmente banido por se rebelar. Heylel, como era chamado, se apossou do corpo de Lilith e percebeu que naquele ventre havia um feto, mais um dos filhos abissais de Anhaú. Tomado por inveja, pois não era capaz de gerar nenhuma criatura, ele arrancou o feto do ventre de Lilith e o arremessou em um dos muitos abismos do Reino do Caos. O recém-chegado desejou aquele reino, assim como desejou que Lilith fosse sua rainha. Em essência, ele era um Celestial e sabia como destronar Anhaú, e assim o fez, drenando toda a energia negra da Sombra Primária e se nomeando apenas como Profano, o regente do Reino do Caos. Lilith teve suas feridas curadas e seu corpo transformado mais uma vez em uma linda jovem que a fazia se lembrar vagamente de quanto ainda caminhava nos campos de Ivy Marãey.


Sobre o comando do Profano, o Reino do Caos angariou muito mais almas em seu domínio, ergueram um palácio e os abissais organizados em hierarquias. Lilith, por sua vez, permaneceu ao lado do novo rei, não por vontade, isso já não a pertencia, mas simplesmente por existir.

Mesmo com poucas lembranças do que um dia fora, houve apenas um momento no qual Lilith esboçou alguma reação. No salão gélido de paredes de cristal leitoso, ela e o Profano sentado em um trono de corpos rodeado por almas translúcidas e anis, avistaram a pequena criatura incompleta e deformada posta no último degrau da escadaria íngreme que levava ao trono.


— Minha senhora – O abissal responsável por repousar aquela criatura ali falou diretamente à Lilith — o encontramos próximos os abismos, reconhece sua prole?

Lilith fez menção de se levantar, embora não houvesse mais feridas no corpo tampouco a aparência deformada de outrora, seus movimentos eram lentos, pois sua mente jamais se curaria de todo sofrimento vivido e assim, o soberano do Reino do Caos não precisou de muito para impedir qualquer reação de sua rainha mórbida. Com um sutil semblante de surpresa, o Profano ergueu seu corpo composto por fumaça negra e densa, continuamente se dissipando e ressurgindo formando sua anatomia diáfana, apenas seu rosto pálido como porcelana e olhos escarlates parecia sólido. Planando sobre os enormes degraus ele se aproximava da criatura miúda.


— Criatura insignificante e incompleta – ele disse tomando o feto nos braços — Por onde esteve todo esse tempo? Lilith, sua progenitora já gerou hordas de abissais durante séculos, mas tenho absoluta certeza que de nenhum ela se esquece, pois ela sentiu, sente e sentirá a morte de cada umas das suas proles, assim como sentiu a sua falta.


Foi na mente do Profano que o feto respondeu:


Lançado no abismo... eu fui. Retirado do ventre dessa criatura... eu fui. Matei e me alimentei de outros abissais mais fracos... eu fiz. Com essas pequenas mãos e me rastejando pelas paredes do abismo... eu emergi. Histórias da Criação... eu ouvi. Ser completo um dia... eu desejo.


— Admiro e honro seus esforços, ser inacabado. E por conhecer sua história, entendo o medo que Anhaú, seu pai, sentia de você, e ele estava certo em teme-lo diante de tais feitos ainda tão jovem.


Anhaú... destruir ele... eu irei – rosnou o feto à mente do Profano.


— Anhaú não existe mais, não em presença. Eu, o Profano, já fui chamado de Heylel, um dos primeiros Celestiais, expulso do Reino da Ordem e, dentro de mim pulsa a essência e o poder de Anhaú, a Sombra Primária. Eu sou a união desses dois seres e me tornei o regente desse lugar, do Reino do Caos e líder de todos os abissais. E por isso, criatura, eu te prometo um corpo completo se em meu nome você reinar sobre a dimensão dos mortais. Temos um acordo?


Um corpo completo... eu terei?


Acordo?... eu faço


— Repouse e descanse agora, o momento de ter seu corpo e reivindicar o seu reinado em breve chegará!



Comments


bottom of page