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Foto do escritorRafael Sales

A Falência é de Uma Empresa, Não da Cultura.

Aqui está minha singela opinião, de um autor independente e profissional do livro que está desde 2010 imerso na literatura, porém, em uma outra fatia que pouco se afeta com o que acontece com as gigantes do mercado livreiro.


É inegável o sentimento de tristeza de muitos leitores e profissionais do livro, além, claro, dos funcionários e colaboradores, diante da notícia da falência da Livraria Cultura, decretada por um juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJ-SP nesta quinta-feira dia 09/02.


A livraria, situada no coração da Avenida Paulista, era um ponto quase histórico para os amantes dos livros e foi palco para inúmeros eventos e lançamentos. Nas redes sociais não faltaram depoimentos e relatos de frequentadores lamentando o fechamento do estabelecimento, e as memórias construídas por lá.


Porém, nos bastidores, o modelo de negócio adotado pela Livraria Cultura, e muitas outras enormes do mercado como FNAC e Saraiva, já anunciava, desde 2018 (e talvez muito antes disso), que a “crise” era dessas empresas, ou desse modelo de negócio, e não do mercado do livro como um todo.


O cenário da Livraria Cultura era bem menos glorioso e honrado do que a imagem e o que ela simbolizava para os consumidores; Diversas acusações de assédio moral, demissões em massa, relações abusivas com editoras, fornecedores e distribuidoras, falta de clareza nas transições comerciais, péssima gestão e total desinteresse por expositores menores e até autores independentes.


O que era para ser um apoio à cultura, se tornou ao longo dos anos apenas um monumento elitista e reforçando de forma velada que o objeto livro não era para qualquer um. Uma ideologia cega de sucesso e apenas status do que algo efetivo que contribuía para a democratização da leitura ou valorização de artistas locais (e nacionais). Afinal, todo autor que lançasse seu livro seja na Livraria Cultura, ou em uma Saraiva, por exemplo, tinha todo o hype daquele momento. E o pesadelo logo em seguida. Pela demora no repasse das vendas, ou pelo pequeno estoque deixado nesses espaços (com muito custo), colocado em uma prateleira nos fundos da loja, quase inacessível.


Uma notícia como essa, visto pelo consumidor comum, pode significar que o objeto livro está com seus dias contados, mas a realidade é completamente diferente.


É fato que o mercado editorial (e aqui eu digo da fatia composta por “editoras grandes” como Rocco, Intrínseca, Planeta e etc.) sempre deu preferência a essas gigantes, não dando a real importância para os pequenos livreiros. Então, claro, que esvaziar as prateleiras da Livraria Cultura pode sim simbolizar um grande prejuízo a essas editoras. Mas, o mercado editorial não é composto somente por essas empresas e muito menos a cultura necessariamente precisa delas para continuar sendo produzida.


Há 6 anos eu atuo para “editoras pequenas”, focada na literatura nacional e com autores independentes que jamais precisaram de uma Livraria Cultura para chegar até os 100 milhões de leitores que existem no Brasil. Expor em uma loja física sempre foi um investimento irreal para essas editoras, afinal, para ter seu livro em destaque, seja na vitrine, numa ilha, ou até mesmo em uma estante mais acessível ao público, o investimento poderia chegar quase a de um carro popular por apenas alguns dias de exposição. Essas editoras menores sempre buscaram por outros meios para investir e divulgar a cultura.

Estar em exposição em uma livraria, há alguns anos, até poderia contribuir significativamente nas vendas de um exemplar, mas hoje, não é bem assim que funciona, diante do crescimento pelas compras em lojas virtuais, vendas de ebook e até os eventos e freiras que acontecem em diversos pontos do país. Eventos que até contam com a presença de alguns autores e acabam sendo uma experiência muito mais emocionante para o leitor do que apenas retirar o livro de uma prateleira.


Podemos ficar triste pelos funcionários que foram demitidos (muitos sem direito trabalhista algum), ou até pelo fechamento de um cartão postal que forneceu momentos maravilhosos para nós, leitores, mas também precisamos analisar que a falência é de uma empresa, não da cultura e muito menos dos livros, afinal, antes de começar a escrever este texto eu acabei um projeto de diagramação e enviado para impressão o volume dois de um livro de uma autora sucesso no Tik Tok publicado por um selo editorial “insignificante” para o modelo de negócio praticado pela Livraria Cultura, e respondido dois e-mails de outros autores que esgotaram a venda dos seus livros físicos em meses e pretendem fazer uma nova edição, completamente independente, dos seus livros, vendendo em feiras, eventos, sites, e até na DM do Instagram.


Aqui, um relato de uma das minhas experiências na Livraria Cultura:

Em 2017, enquanto publicava os contos de Silhuetas na Penumbra no Wattpad, imprimi uma tiragem de marcadores para distribuir em feiras e deixar nas livrarias da cidade. Passei por várias entre elas Nobel, Martins Fontes, Saraiva, Livraria da Vila e lembro que a última foi a Livraria Cultura.
Minha abordagem era simples: “Oi, sou escritor independente e gostaria de deixar alguns marcadores aqui na livraria, meu livro está de graça no Wattpad e encontrei esse meio para divulgar para os leitores”. A arte do marcador era impecável e a qualidade de impressão também, recebendo até elogios de alguns livreiros, outros agradecendo, pois os clientes pediam muito por marcadores e quase nunca tinha disponível (ouvi isso em algumas livrarias menores, de bairro, por qual passei), claro que em alguns lugares me falaram que eu não podia deixar meus marcadores, pois eles só podiam expor os dos livros que eram vendidos lá.
Porém, na Livraria Cultura, a recepção não foi uma das melhores, após ficar por horas esperando para ser atendido pelo gerente, e quando finalmente fui, senti todo aquele olhar de reprovação e julgamento. O gerente “aceitou” colocar os marcadores no caixa, mas, foi eu dar as costas, o vi jogando todos eles em uma lata de lixo. Claro, que essa atitude diz mais sobre o profissional do que sobre a empresa, mas na época isso só me fez ver o quanto espaço as “grandes livrarias” dava aqueles que estavam começando, que o lucro sempre ficou acima de qualquer coisa e em contra partida o quanto os livreiros menores trabalhavam, além do retorno financeiro, por amor a literatura e a cultura.
Essa minha visão só ficou mais consolidada após eu, de fato, começar a trabalhar nos bastidores do mercado do livro não para as grandes, mas para aqueles que fazem de um tudo para promover a literatura, em especial, a produzida por brasileiros.

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